Texto publicado originalmente no Boletim Científico Periódico da Sociedade Brasileira de Mastologia Regional São Paulo, Edição 1 - 2021
A amamentação não é um processo doloroso, sendo importante a orientação que a dor pode indicar um problema e o quanto antes a mãe buscar ajuda, poderá encontrar a causa e resolvê-la. A dor é considerada persistente durante o aleitamento quando superior a duas semanas. Elucidaremos as principais causas e manejo.
Epidemiologia
Estudo demonstra que 78% das mulheres apresentam dor na amamentação, e em até 20% a dor persistiu nas primeiras 8 semanas do pós-parto.
Diagnóstico
✔ história clínica e exame completo materno:
- complicações na gestação, parto e puerpério
- histórico emocional materno e metas de aleitamento
- comorbidades e uso de medicamentos
- cirurgia mamária pregressa ou alterações mamárias e/ou papilares
✔ história clínica e exame completo do lactente:
- anormalidades na gestação ou parto
- prematuridade
- alterações em cabeça e pescoço
- cavidade orofaríngea (freio lingual)
- sintomas ou sinais neurológicos
- problemas gastrointestinais
✔ história clínica e exame completo da amamentação:
- duração e eficácia das mamadas
- intervalos
- posicionamento do lactente
- forma e coloração papilares após a sucção
- uso excessivo de ordenha
Sensibilidade papilar
Relatada pelas lactantes nas primeiras duas semanas da amamentação, sem lesão visível no mamilo. Melhora espontaneamente, podendo-se utilizar analgésicos comuns. Não existe uma preparação dos mamilos durante a gravidez para evitar esse quadro.
Ingurgitamento mamário e superprodução
Quadro clínico de dor e desconforto mamário progressivo, mamas edemaciadas, sem sinais flogísticos e vazamento de leite constante.
Parar o excesso de estimulação realizar ordenha apenas de alívio, alternada com compressas frias. Tentar amamentar unilateralmente por mamada, para a mama contralateral não ser estimulada e assim reduzir o aporte de leite. Medicações como a pseudoefedrina, extrato de sálvia ou anticoncepcionais hormonais combinados podem ser utilizados para a diminuição da produção se refratário.
Anquiloglossia lactente
Acomete 0,02 a 10% dos lactentes, com uma restrição na projeção da língua devido à freio lingual curto ou espessado Trata-se de uma anomalia anatômica que impede o lactente de mamar em posição correta, pois não há um movimento normal da língua durante a sucção.
A avaliação do especialista em amamentação é fundamental logo após o nascimento, mas devemos suspeitar da presença de dor, fissuras papilares, mastite e aumento insatisfatório do peso. Quando indicada a frenotomia ocorre melhora da sucção e diminuição da dor.
Disbiose bacteriana
Dolorimento e ardor maciço e bilateral. Dor durante e após a amamentação, acompanhado de ingurgitamento mamário, especialmente dos quadrantes inferiores, sem sinais flogísticos.
Recomenda-se a correção da técnica da mamada, analgésicos, compressas frias entre as mamadas e esvaziamento da mama para alívio. Considerar o uso de antibiótico oral como cefalosporinas, amoxicilina/clavulanato e doxiciclina por 2 a 6 semanas. Há evidência indireta apoiando o uso de probióticos mamários para restaurar a flora normal (Lactobacillus acidophilus + Lactobacillus rhamnosus + Lactobacillus paracasei + Bifïdobacterium lactis). Pode evoluir para mastite.
Infecção fúngica
O quadro é de dor papilar desproporcional aos achados clínicos, podendo irradiar para toda a mama, associada a aspecto avermelhado, brilhante e/ou descamativo do complexo aréolo-papilar.
O tratamento consiste no uso de antifúngico tópico (miconazol) associado com fluconazol 150 mg ou itraconazol 100 mg ao dia por 15 dias pela via oral. Embora as evidências sejam escassas, o bebê é frequentemente tratado para infecção oral por cândida, com o uso de suspensão de nistatina quatro vezes ao dia ou miconazol tópico em camada fina.
Eczemas papilares
Apresenta-se como lesão com hiperemia, erosões e crostas (agudo) e área seca, escarificada e liquenificada (crônico). Pode estar associado a quadro de eczema atópico ou ainda por dermatite de contato (causada por exemplo pelo sutiã, sabonete, creme ou pomada).
O tratamento baseia-se em hidratação local e uso de corticoide tópico de baixa ou média potência, aplicando após a mamada duas vezes ao dia durante 2 semanas, além do uso de anti-histamínicos. Considerar uso de corticóides orais por curto período (< 3 semanas) em casos resistentes.
Fenômeno de Raynaud mamário
Ocorre vasoespasmo do mamilo e os sintomas aparecem durante ou entre as mamadas, podendo ser precipitados com o frio. Observa-se mudanças na coloração do mamilo (palidez, cianose e/ou eritema), seguidas de dor muito intensa, podendo ocorrer o aparecimento de bolhas, fissuras ou úlceras de evolução complicada.
O tratamento consiste em cessar o tabagismo, evitar a cafeína e a exposição ao frio, assim como aplicação de calor local (bolsa térmica assim que o bebê soltar o mamilo), além de nifeidpina 10 mg ou amlodipina 5 mg pela via oral em casos refratários (até 3 vezes ao dia, de acordo com os efeitos colaterais).
Obstrução de ducto
Observa-se espessamento ductal ou até mesmo um ponto branco no mamilo, com aspecto liso e brilhante, do tamanho de uma cabeça de alfinete. Dói intensamente, de início abrupto, principalmente durante a mamada.
O tratamento consiste em calor local e desobstruir o ducto com pressão direta ou uma agulha delicada, preferencialmente após a mamada, e realizar uma massagem no local podendo extrair uma substância espessa.
Alodinia/dor crônica/dor funcional
A dor ocorre ao leve toque ou ao contato com a roupa, geralmente associada a história de outras desordens dolorosas (fibromialgia, síndrome do intestino irritável, por exemplo). Descrita como uma dor de forte intensidade, do tipo fisgadas, queimação, podendo ou não estar associada a lesão visível. A dor aumenta ao longo da mamada ou ao final da mesma, podendo se prolongar muito depois, ou ainda ser contínua entre as mamadas.
Melhora com a correção do posicionamento durante a mamada, podendo-se utilizar antiinflamatórios para o alívio. Importante garantir o esvaziamento das mamas, caso a mãe não consiga amamentar diante do quadro álgico. A paciente se beneficia de tratamento psicológico e uso de antidepressivos.
Danubia Andrade
Especialista em Ginecologia e Obstetrícia
Mastologia pela AMB
Doutora pela FMUSP
Ginecologista e Obstetra
Sócia fundadora da Clínica Mitera
Mastologista no Hospital Beneficência Portuguesa de SP
Ginecologista e Obstetra
Mastologista
Sócia fundadora da Clínica Mitera
Texto publicado originalmente no Boletim Científico Periódico da Sociedade Brasileira de Mastologia Regional São Paulo, Edição 1 - 2021.
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