Texto publicado originalmente no Boletim Científico Periódico da Sociedade Brasileira de Mastologia Regional São Paulo, Edição 1 - 2021
As fissuras e traumas mamilares são comuns e temidas pela dor, possibilidade de perda de parte do mamilo e por levarem à interrupção da amamentação.
Epidemiologia
Estudos demonstram que até 58% das mulheres apresentarão algum tipo de fissura ou lesão no complexo aréolo-papilar no aleitamento materno durante as 8 primeiras semanas do pós-parto.
Etiologia
As principais causas dessas lesões são:
✔ falta de orientação quanto a técnica adequada
✔ alterações de freio lingual do lactente
✔ tensão mandibular do lactente
✔ ingurgitamento mamário
Diagnóstico
O melhor profissional para avaliar inicialmente esses casos de fissuras e traumas mamilares são os especialistas em amamentação, pois 90% terá uma resolução com correção do posicionamento do lactente e posicionamento da mama no momento da lactação. Outra parte da avaliação desses especialistas será observar o freio lingual. Muitas vezes os freios curtos e/ou espessos podem atrapalhar a movimentação da língua (anquiloglossia), levando a uma sucção inadequada, o que gera traumas recorrentes no mamilo e um baixo ganho de peso do recém-nascido. Ainda dentro das causas que estão vinculadas ao lactente estão as tensões mandibulares. Fetos que se mantiveram pélvicos durante a gestação, que tiveram partos instrumentais (vácuo extrator ou fórceps) ou partos com período expulsivo prolongado podem desenvolver tensão mandibular imprimindo força e movimentos gengivais que se assemelham a mordidas durante o processo de mamada.
Manejo inicial
Profissionais especializados em amamentação auxiliam a lactante no posicionamento e técnica adequados. É possível a utilização de técnicas com liberação miofascial com o intuito de diminuir as tensões mandibulares e terapias farmacológicas no lactente, se necessário. A frenotomia pode ser indicada e realizada por profissional capacita[1]do quando protocolos de avaliação demonstram que o freio lingual esteja prejudicando as mamadas e/ou o processo de cicatrização.
As substâncias cicatrizantes (pomada de lanolina, azul de metileno, pomada ou disco de hidrogel) costumam ser recomendados para melhorar a dor e acelerar o processo de cicatrização das feridas, apesar de não haver evidência forte o suficiente na literatura para indicar o seu uso. Eles são sempre aplicados após as mamadas, em uma fina camada sobre a lesão e não há necessidade de retirar o excesso antes da próxima mamada caso tenha restado resíduo.
A laserterapia com a utilização da fotobiomodulação com laser de baixa intensidade para analgesia, efeitos anti-inflamatórios e aceleração do processo de cicatrização nas lesões papilares é controversa na literatura. Embora alguns estudos clínicos demonstrem uma melhora da dor nas lesões papilares após a utilização do laser, recente estudo clínico de grupo brasileiro não mostrou diferença, considerando protocolos diferentes de duração de tratamento e reavaliação. Na prática recomendamos para analgesia das lesões, com uma melhora na percepção da dor após a segunda ou terceira aplicação que podem ser feitas em dias consecutivos.
O capuz de prata pode ser recomendado também para alívio da dor. Funciona como barreira mecânica do mamilo, e alguns estudos demonstram ainda com baixa evidência uma possível ação antibacteriana e antifúngica da prata em contato com a pele, favorecendo dessa forma um menor risco de infecção para as lesões já existentes. São necessários mais estudos para confirmação dessa hipótese.
Manejo de casos complicados
Os mastologistas acabam recebendo 10% de casos de feridas que normalmente tem mais de 15 dias de evolução e que não cicatrizaram com as técnicas propostas. O desafio é manter a amamentação e proporcionar ambiente para que a ferida cicatrize.
Recomendamos avaliar o tempo de lesão e correlacionar o tempo com a fisiologia das fases de cicatrização de uma ferida. Sugere-se examinar a lesão segundo características como profundidade e extensão em relação à área do mamilo, sinais flogísticos, presença de tecido desvitalizado ou necrótico. Outra avaliação importante é checar se o complexo aréolo-papilar tem fácil distensibilidade e se a mama da paciente está muito túrgida ou ingurgitada. Deve-se manter ambiente propício para cicatrização e minimizar fatores que a atrapalhem, como a presença de tecido desvitalizado, infecções e traumas recorrentes.
Nas feridas com sinais de tecido desvitalizado ou secreção de fibrina em grande quantidade indicamos o uso da colagenase aplicada apenas no local da lesão de 12 em 12 horas por 48 horas. A interrupção da amamentação nessa mama durante 48 a 72 horas é indicada simultaneamente para que o lactente não entre em contato com a colagenase e para que aquele mamilo fique sem o atrito da sucção, facilitando para que o processo de cicatrização aconteça. Durante o período de pausa a lactante deve ser orientada a realizar ordenhas frequentes (com a técnica adequada) para manter a produção e também evitar outras complicações. E o lactente deve receber o leite de maneira segura à proteção do aleitamento.
Após o debridamento químico realizado veremos uma ferida com boa vascularização e com bordos bem definidos, o que facilitará o acompanhamento da cicatrização. Nessa fase orientamos uso de soro fisiológico para limpeza da lesão após todas as mamadas e após o banho. Em seguida da limpeza, poderá ser administrado sobre a lesão óleo de ácido graxo essencial (AGE) para ajudar o processo de cicatrização e ao mesmo tempo fazer um isolamento mecânico contra o tecido (roupa) da paciente.
Concomitante ao processo de revitalização que é promovido com a colagenase (casos pontuais) e com o soro fisiológico e o óleo de AGE, orientamos o uso de antibiótico para tratamento de possíveis infecções da ferida que venham a atrapalhar o processo de cicatrização. As cefalosporinas de primeira e segunda geração (evitar a cefalexina por padrões de resistência bacteriana) são boas escolhas para o uso nesse contexto, sendo indicadas por 7 a 10 dias dependendo da área de acometimento do mamilo.
Nos casos em que a mama e o complexo aréolo-papilar são pouco distensíveis e a mama parece estar sempre ingurgitada, é necessário orientar que todas as vezes antes da amamentação a paciente deverá massagear de forma circular a mama e a aréola e se necessário ordenhar manualmente a mama até que a região da aréola esteja macia o suficiente para o lactente abocanhar a aréola corretamente, diminuindo chances de escapar a pega e piorar as lesões já existentes.
Obstetra
Sócia fundadora da Clínica Mitera
Mastologista pelo Hospital Sírio-Libanês
Ginecologista e Obstetra
Sócia fundadora da Clínica Mitera
Mastologista no Hospital Beneficência Portuguesa de SP
Vânia Gato Medeiros
Pediatra e Neonatologista
Consultora internacional de lactação Fundadora da Lumos Cultural
Texto publicado originalmente no Boletim Científico Periódico da Sociedade Brasileira de Mastologia Regional São Paulo, Edição 1 - 2021.
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